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sexta-feira, 17 de julho de 2015

Jaci-Paraná: o vilarejo desafortunado

Quem já foi a Porto Velho, capital de Rondônia, provavelmente deve ter ouvido falar de Jaci-Paraná, o distrito banhado pelo rio de mesmo nome. A grafia é do lugar é uma questão duvidosa, pois é visto tanto Jaci-Paraná quanto Jacy-Paraná, com ou sem hífen.

Na região de Jaci-Paraná viviam as etnias Karitiana e Karipuna, que ou foram dizimadas ou se mesclaram à população de garimpeiros e caucheiros que se estabeleceram aos poucos durante a primeira metade do século XX. O impulso populacional maior de pessoas culturalmente "europeias" se deu com a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (EFMM), que ligava Porto Velho a Jaguará-Mirim, na fronteira com a Bolívia.

Estação de Guajará-Mirim em 2011 (foto: Dilson Vargas Peixoto)

A EFMM fazia parte de um acordo entre o Brasil e a Bolívia que, em troca de esta "dar" o território do Acre, o Estado brasileiro construiria uma estrada de ferro para o escoamento da produção/extração boliviana (principalmente borracha) em direção ao oceano e dali para o exterior. Ou seja, os produtos da Bolívia chegavam á fronteira (em Guajará-Mirim), onde eram levadas de trem, juntamente com alguns produtos brasileiros, até Porto Velho. Isso evitava passar pelas corredeiras perigosas do rio Madeira, que impedia a passagem de barcos. Uma vez em Porto Velho, os produtos iam a Manaus e de lá eram exportados.

Corredeiras do rio Madeira em 2011. Notar uma estrutura presa nas rochas. (foto: Dilson Vargas Peixoto)

Como Jaci-Paraná ficava no caminho da estrada de ferro, tornou-se parada quase obrigatória para muitos viajantes e comerciantes, que ali descansavam ou se reabasteciam. E isso dinamizou a região.

Ponte da EFMM em Jaci-Paraná em 2011 (foto: Dilson Vargas Peixoto)

Fim da Era do Trem


Na década de 1960 a EFMM foi desativada em favor da construção de uma rodovia (atuais BR-425 e BR-364). Com isso, aos poucos a ferrovia foi sendo abandonada e suas peças vendidas.
Mesmo sem a ferrovia funcionando, Jaci-Paraná continuou a ser conhecida, seja por estar no caminho a outros distritos de Porto Velho ou por ser passagem a Guajará-Mirim ou Acre. Mas, creio, que a praia de água doce ajudou a manter o distrito conhecido.

O que sobrou da estação férrea de Jaci-Paraná em 2010 (foto Dilson Vargas Peixoto)
O balneário de Jaci-Paraná atraía muitos portovelhenses, que se refrescam nas águas do rio de mesmo nome. Muitas pessoas lotavam a prainha nos verões amazônicos, havendo até mesmo bares e festas nas suas margens.

Tempo das usinas


Durante o início da década de 2010 o distrito de Jaci-Paraná apresentou um grande aumento populacional por conta da construção da Usina Hidroeletrica Jirau no rio Madeira. O distrito tornou-se local de pouso, comércio e festa para muita gente, especialmente trabalhadores, pois era a localidade maior e mais estruturada próxima tanto do canteiro de obras quanto da sede municipal. Foi nesse tempo que conheci Jaci-Paraná.


Distrito de Jaci-Paraná em 2010 (foto: Dilson Vargas Peixoto)

Quando cheguei ao distrito, visivelmente se via que houve um aumento populacional rápido e sem planejamento. A BR-364 cortava o distrito, lixo era visto ao chão e esgoto corria a céu aberto. Os urubus caminhavam tranquilamente entre as casas colhendo os lixos. Além disso, pequenas construções precárias de madeira se erguiam umas ao lado das outras na beira da rodovia: ali era o que chamávamos de "shopping", pois havia muitos artigos para vender (vindos principalmente da Bolívia) e havia muita prostituição.

"Shopping" de Jaci-Paraná em 2011 (Foto: Dilson Vargas Peixoto)

O interessante que, por vezes, cada bar tinha uma música diferente tocando, mesmo sendo um ao lado do outro. E isso num volume alto! Às vezes você não conseguia distinguir os sons devido ao barulho.

No início dos meses o distrito se enchia mais. Os trabalhadores, durante os finais de semana, lotavam Jaci-Paraná atrás de festa (como no famoso Chico Lata), prostituição e compras. Passado o início de mês o distrito "esvaziava", mas mesmo assim continuava a ter uma grande população "não-nativa".

Os muitos estrangeiros e moradores nativos do distrito foram muito amigáveis e simpáticos. Seus olhares curiosos e seu jeito "solto" davam um encanto fenomenal! Apesar disso, as obras na UHE Jirau preocupavam os moradores: o rio Jaci-Paraná iria "ficar maior".

Inundações

Por conta da área de inundação da usina, parte da mata ciliar do rio foi cortada. Era uma mata linda, que ao poucos foi morrendo pela mão humana. Por fim, a aconchegante e bela praia foi substituída por uma praia artificial.


Rio Jaci-Paraná, ponte da BR-364 e ponte da EFMM em 2010, antes da inundação (Dilson Vargas Peixoto)

Depois de 2012 não tive mais contato com Jaci-Paraná, a não ser por notícias. Segundo imagens mostradas pela mídia, a enchente do ano de 2014 alagou parte do distrito. As casas novas construídas para substituírem as antigas (parte das obras de planejamento da UHE Jirau) corriam perigo de serem alagadas também. Nesse vídeo é possível ver o nível que a água do rio chegou.

Vilarejo desafortunado


O cenário de Jaci-Paraná durante as obras da UHE Jirau inspiraram a criação do vilarejo de Ixode na obra "BANDO SEM MARCA". Como o distrito portovelhense, Ixode possuía casas precárias, tinha esgoto a céu aberto e era um forte e bem conhecido centro de prostituição.

Segundo um personagem da obra:

"- Estamos em Ixode, o vilarejo conquistado por nós nessa guerra. (...) Mas prefiro chamar esse lugar de Ãrgã, o prostíbulo". (Bando sem marca, p. 121)

As autoridades de Ixode estavam cientes, apoiavam e até mesmo usavam a prostituição do vilarejo. Isso foi mais um aspecto que se assemelhou a Jaci-Paraná dos anos de 2010 e 2012, onde foi visto policiais fardados entrando nos quartos com jovens, possivelmente menores de idade.

Espero que atualmente o distrito de Jaci-Paraná esteja em melhores condições. Espero que seus moradores, tão simpáticos e agradáveis, estejam bem e felizes. 

Rio Jaci-Paraná em 2010 (foto: Dilson Vargas Peixoto)

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